Sua origem , fundamentação e funções
O que precisamos saber sobre o órgão que visa proteger os direitos de crianças e adolescentes do nosso país.
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda formade negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”
Artigo 227, Constituição Federal
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990
Neste ano o processo de votação para conselheiro tutelar foi marcado por um aumento significativo da participação social e uma maior integração entre as instituições para o pleito. Mais de um milhão e meio de brasileiros em todo país compareceram às urnas em mais de 5 mil municípios. Um fato de extrema importância para a sociedade brasileira.
Em relação a 2019, um boletim de comparecimento às urnas divulgado pelo MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania) apresentou um resultado expressivo de aumento na presença da sociedade nesta eleição de 2023. Foi possível avaliar que em municípios houve um aumento de 331 mil votos- de 1 milhão e 200 mil eleitores para 1 milhão e 600 mil , o que representa 25,8% a mais de participação em relação ao pleito anterior. A adesão em alguns Estados superou o dobro do pleito com diferenças positivas de 56 mil votos. Um fato muito importante, que comprova um aumento da conscientização da sociedade sobre a importância do Conselho Tutelar.
Pelo voto ser facultativo, as expectativas foram superadas e demonstra o nascimento de consciência, sobre a importância e funcionamento do órgão que visa cuidar e fiscalizar o cumprimento do ECA e fortalecer os direitos das crianças e adolescentes.
Um país que valoriza a proteção de crianças e adolescentes inicia um processo de crescimento de sua saúde em diversas áreas.
Durante o processo político brasileiro, a criança e o adolescente sempre recebeu relevâncias. Em alguns períodos com um pouco menos de empatia e mais punição, até chegarmos a fase pedagógica, que traumatizada com o efeito punitivo de décadas atrás, se esquivou da correção. No âmbito pedagógico houveram muitas alterações em sua história, todavia as correções são um motivo de debate político entre partidos e a sociedade até os dias de hoje.
Antes de iniciarmos o contexto de Lei e aplicação, precisamos conhecer as origens do Conselho Tutelar. Assim como explicado na Bíblia: “não existe nada de novo debaixo do sol.” Eclesiastes 1:9
Houve uma história, houve vestígios de uma sociedade traumatizada, houve influências políticas estrangeiras, houve heróis, houve vilões e tudo precisa ser conhecido para ser entendido.
Necessário que a sociedade entenda que neste tempo, nada é novidade. Mas merece nosso conhecimento e participação. Até para coibir personagens oportunistas que utilizam a falta de conhecimento da sociedade para utilizar fatos já existentes no processo jurídico brasileiro como autopromoção em busca de votos.
Este artigo está dividido em 2 partes: Processo histórico e Critérios para ser um Conselheiro Tutelar
Processo histórico:
O primeiro Código de Menores : Código Mello Mattos -1927
Um processo político
Na década de 20 o Brasil passava por uma forte influência de urbanização Européia. Com preocupações da estética visual que desagradava a elite da sociedade, o governo passou a ser influenciado pelo modelo de urbanização que existia na França, onde este problema era resolvido de forma rápida e que tinha o nome de “Movimento Higienista da cidade”. Esse movimento recolhia os pobres e excluídos das ruas.
No dia 12 de outubro de 1927 ( 3 anos após o Decreto n.º 4.867 criado pelo deputado Federal Galdino do Valle Filho, estipulando ser o Dia Nacional da Criança) foi promulgado o Decreto nº 17.943-A, o primeiro código brasileiro voltado para a assistência e proteção à infância e à adolescência conhecido como “Código Mello Mattos”- homenagem ao magistrado, jurista e professor José Cândido de Albuquerque Mello Mattos , primeiro juiz de menores do Brasil e da América Latina.
A história de proteção à criança e ao adolescente nasce através de um professor do tradicional Colégio Pedro II, diretor do Instituto Benjamin Constant e da Faculdade de Direito da UFRJ.
Observando o crescimento da questão dos menores abandonados e delinquentes na cidade do Rio de Janeiro passou a elaborar projetos que culminaram na criação do Juízo de Menores do Distrito Federal e se empenhou na criação de fundações e instituições de assistência a proteção de menores.
A Criação do Juízo de Menores do Distrito Federal
“Art. 37. É criado no Distrito Federal um Juízo de Menores, para assistência, proteção, defesa, processo e julgamento dos menores abandonados e delinquentes.”
Decreto nº 16.272, de 20 de dezembro de 1923
Seguindo tendências internacionais, adolescentes infratores eram mandados para as casas de detenção e julgados por magistrados de jurisdição ordinária. Por isso foi formulado uma legislação específica para menores.
No Governo de Arthur Bernandes ( 1922-1926) foi aprovado o Decreto nº16.272 de 20 de dezembro de 1923, elaborado com a finalidade de oferecer “assistência , proteção , defesa, processo e julgamento dos menores abandonados e delinquentes”.
O Código Mello Mattos tratava :
– Infantes expostos ( crianças com menos de 2 anos até 7)
-Medidas aplicadas aos menores infratores
-Inibição do pátrio poder e da remoção de tutela
– Do trabalho dos menores
-Temas de relevância ao Direito do menor
Destaca-se o enfoque multidisciplinar, onde além do Juiz seria designado : um curador, um médico psiquiatra, advogado e oficiais de Justiça.
O Termo : MENORES ABANDONADOS E DELINQUENTES
A retenção de recursos no país ocorrida durante a primeira guerra mundial , fez com que um grande contingente de famílias se deslocassem do interior para a capital em busca de trabalho. Neste mesmo período, influenciados pela Europa , a Elite da sociedade desejava modelar e embelezar a cidade criando uma nova urbanização e a criação de áreas nobres, acarretando a extinção de bairros pobres e remoção de seus habitantes. Neste contexto nascem as favelas (moradias da população removida de bairros intitulados como nobres).
A expressão “menores abandonados e delinquentes” era usada na época para designar crianças e adolescentes de baixa renda que viviam nos sopés dos morros, na periferia e subúrbios. Uma expressão que era utilizada como marketing político e panorama urbano da época.
Segue abaixo imagens de Domínio público, que consta no Arquivo Histórico da Biblioteca Cavalcante de Gusmão, da Vara da Infância, da juventude e do Idoso Comarca da Capital do estado do Rio de Janeiro.
A crise econômica e social da época tornou imprescindível a criação de instituições que abrigassem e protegessem crianças e adolescentes que perambulavam pela cidade do Rio de Janeiro e em 1923 foi aprovado disposições para a criação de um abrigo no Distrito Federal, com a finalidade de receber ( por efeito provisório) os menores considerados delinquentes.
– Intervenção ao Trabalho infantil
Nas décadas de 20 e 30 eram comuns trabalhos realizados por crianças e adolescentes em condições de risco. E em 1927 , o Código de Menores regulamentou o uso da mão de obra infanto juvenil e por isso enfrentou grande resistência dos setores da sociedade que costumavam conviver com trabalhos de menores em suas rotinas. Foi concedido aos estabelecimentos e as indústrias um prazo e ordenação de uma rigorosa fiscalização , com imposição de multas àqueles que infringissem os dispositivos do Código.
Imagem cedida pelo Arquivo Histórico da Biblioteca Cavalcante de Gusmão, da Vara da Infância, da juventude e do Idoso Comarca da Capital do estado do Rio de Janeiro.
-Portaria para menores de 18 anos
Em dezembro de 1927 ocorreu uma Matinê infantil da revista “ Ouro à Bessa” , o que foi considerada pelo Código , imprópria para menores de 18 anos provocando uma violenta reação da classe artística no País .
Havia um entendimento na sociedade que o Código que promovia os Direitos de Menores, era somente para os pobres ( considerados delinquentes), o que inflamou na Elite da sociedade brigas judiciais, com o uso de habeas corpus perante o Conselho Supremo da Corte de Apelação do Distrito Federal em favor dos pais de famílias ricas não conformados com a intromissão do Código em seu pátrio poder. O que ocasionou ao Juíz Mello de Mattos suspensão de trinta dias e multa.
-Reconhecimento Nacional do Código de Menores
Somente em 1928 foi reconhecido pelo Supremo a constitucionalidade do Código e a sua aplicação a todos os menores independentemente de sua condição familiar. Até hoje ,em alguns artigos, o Código de Menores é divulgado como um ato de censura e em algumas matérias de jornais e revistas acadêmicas, como um ato punitivo participativo do fato político da Ditadura militar. Todavia é importante que tenhamos conhecimento que o Código de menores e a preocupação com os Direitos da Criança e adolescente nasceu de influências da política europeia e da decadência econômica após a primeira Guerra mundial, que ocasionou o êxodo de pessoas para as grandes capitais brasileiras causando moradias irregulares, crianças e adolescentes abandonados nas ruas e uma crescente exploração de trabalho infantil.
Até chegarmos no ECA de 1990 , traçamos uma linha do tempo sobre a luta jurídica pelos Direitos de crianças e adolescentes :
–1726: “Rodas dos expostos”
Regulamentada por Lei , nos séculos 18 e 19 , popularmente conhecida por “ Roda dos rejeitados”. A criança ( registra-se somente crianças , não é citado adolescentes) rejeitados em seu nascimento, eram entregues a Santa Casa de Misericórdia. Havia um cilindro na parede e a criança era colocada para ser abrigada e criada pela instituição.
–1890: Código Criminal da República / A teoria do Discernimento
Crianças entre 09 e 14 anos eram responsabilizadas criminalmente.
Código criado visando conter o aumento da violência.
–1921: Lei nº 4.242
Influenciou e antecedeu o Código de menores de 1927.
A imputabilidade passou a ser de 14 anos.
–1926: Debates sobre a criação de casas de detenção para menores
Menor preso foi encontrado por repórteres do Jornal do Brasil em estado lastimável por ter sido violentado na prisão. O caso chegou ao Congresso e a Sede do Governo , que até então era o Palácio do Catete no Rio de Janeiro.
–1927: O Código de Menores
–1932: Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932
A Era Vargas que imputou a maioridade penal para 18 anos.
–1941 : Criação do SAM : Serviço de assistência a Menores
–1964: Criação da FUNABEM e FEBEM
–1975 : Criação da Comissão parlamentar de Inquérito para investigação criminal da crianças desassistida.
–1979: Doutrina de proteção integral que antecede a criação do ECA
-1985: A Ciranda da Constituinte
A Emenda da Criança ( que originou os artigos 227 e 228 da Constituição)
-1988: Fórum DCA -Fórum Nacional de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
–1990– Lei federal nº 8069 ( ECA)
– 2015 : Lei Federal nº 12.696/2012/ Eleições de Conselheiros Tutelares em uma data única em todo país.
No próximo artigo iremos conhecer os critérios para ser um Conselheiro Tutelar.
Fontes de pesquisa:
– MARINHO, Rodrigo Saraiva. A história do Brasil pelas suas constituições. LVM Editora, 2023
-PAIXÃO, Cristiano e CARVALHO, Claudia Paiva. História Constitucional Brasileira: da Primeira República à Constituição de 1988. Almedina, 2020
-GONÇALVES,Nadia Gaiofatto. Constituição histórica da educação no Brasil, InterSaberes,2012
–CARVALHO,Luiz Maklouf. 1988: Segredos da constituinte. Record ,2017
-Site do Governo : gov.br
-Site do Ministério Público : mprj.mp.br
-ENDERS,Armelle. A História do Rio de Janeiro. Gryphus Editora,2015